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A cultura dos editais

15/06/2014 20:51
Criado há 22 anos e tido como um marco das políticas públicas de fomento à atividade cultural no Brasil, o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac) inaugurou uma etapa transformadora na relação entre o Estado e a produção artística no país. O patrocínio estatal não se tratava de uma novidade, já existia desde os tempos da colonização – a maior inovação da Lei Rouanet, como passou a ser chamada, era estabelecer parâmetros rígidos e democráticos para a distribuição de recursos públicos por meio do mecanismo de renúncia fiscal, o chamado mecenato. Era o primeiro e mais importante passo para enterrar as indecentes políticas de balcão, o tráfico de influência e as fraudes que marcaram regulamentações anteriores, em especial sua antecessora, a Lei Sarney.
Passadas mais de duas décadas, a lei sofre uma reforma para corrigir distorções e se adequar aos novos anseios do setor. Mas, apesar dos pontos polêmicos, seu impacto e influência são inquestionáveis. Replicada nos âmbitos estaduais e municipais, a fórmula possibilitou a criação de leis de incentivo com êxito semelhante em (quase) todo o país.
Porém, com o avanço das experiências, o chamado mecenato expôs suas limitações e exigiu do poder público a criação de políticas complementares para o fomento à cultura. Surgiram os fundos de cultura e seus editais, até o momento o formato mais democrático entre os já experimentados no Brasil para o incentivo à atividade cultural.
 
Para artistas e produtores, a elaboração de projetos seguindo a cartilha dos editais tornou-se uma habilidade obrigatória. Um processo burocrático chato e delicado, mas indispensável para evitar o mau uso dos recursos públicos. Do cinema à cultura popular, da música ao circo, da moda à preservação da memória, praticamente todas as manifestações artísticas praticadas no Brasil hoje são contempladas por alguma linha de incentivo.
São investimentos que garantem não apenas a manutenção da produção – movimentando o cenário cultural – como se refletem num benefício claro ao próprio estado. 
Parte considerável dos recursos retorna aos cofres públicos na forma do pagamento de impostos de serviços prestados – já que cada projeto realizado gera empregos indiretos nas mais diversas áreas –, mas essa nem de longe é a maior vantagem de que um governo desfruta ao financiar a cultura. Muito mais eficiente que qualquer campanha publicitária milionária, a repercussão que uma obra de arte aclamada pode trazer para a imagem de um estado corresponde a cifras impossível de calcular.
O melhor exemplo desse retorno é o fenômeno experimentado pelo atual cinema pernambucano. Graças a investimentos em editais que somam R$ 11,5 milhões, o cenário audiovisual dos nossos vizinhos desponta como o mais pulsante do Brasil, e já é responsável por construir uma visão internacional da cidade do Recife. De tanto ver a capital pernambucana em filmes elogiados e premiados, curadores e frequentadores dos principais festivais de cinema do mundo já começam a enxergar o Recife como uma espécie de nova capital do país. O sucesso internacional de O Som ao Redor, filme que busca estudar a nova classe-média brasileira, reforçou esse olhar. 
Apesar de estar no topo do investimento em audiovisual, Pernambuco compete com outros Estados pelo posto de maior incentivador da cultura. No Nordeste, Ceará, Paraíba e Bahia aumentam a cada ano os recursos destinados ao setor. Nas outras regiões, São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Minas Gerais, Amazonas e Paraná seguem a mesma tendência. Já com leis de incentivo consolidadas há alguns bons anos, parte desses estados vive hoje uma etapa de amadurecimento e aperfeiçoamento de suas políticas culturais.
Pode-se dizer que, enquanto o resto do Brasil se encontra numa espécie de fase 2.0 das políticas públicas de incentivo à cultura, Alagoas permanece na “idade das trevas”. Não existem leis de incentivo nem no âmbito estadual nem municipal, não existem fundos de cultura ativos, e os escassos editais disponibilizados nos últimos anos oferecem valores que não condizem com a realidade de nenhum setor profissional. 
 

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